Hoje a Dragon Store Brasil conversa com Rafael Cardoso, parceiro, amigo e um brilhante programador Assembly que tem trazido uma nova vida para o Odyssey com seus jogos homebrew junto a galera da Experiência Odyssey.
Amizade que começou antes da Dragon Store Brasil entrar no ar através de um contato com Ricardo Silva!
Conversamos pela primeira vez por vídeo por mais de uma hora e trocamos ideias sobre os projetos futuros e programação para Odyssey. Ali começava uma grande amizade ☺️
10 Perguntas para Rafael Cardoso
Rafael, sua contribuição para a comunidade é incrível, especialmente a habilidade de programar em Assembly para o Odyssey. Vamos explorar esse universo fascinante!
✅ Pergunta 1:
A Fascinante Linguagem Assembly: Para muitos, programar em Assembly para um console antigo como o Odyssey parece um desafio imenso. Quanto tempo levou para você desenvolver o seu primeiro jogo completo?
✅ Resposta:
Programar o Odyssey sempre foi um sonho meu, desde criança. Desde que conheci o console e comecei a me interessar por jogos, tive vontade de criar algo para ele.
Sempre gostei de jogos, desde tabuleiros — que inclusive coleciono — e essa vontade de desenvolver só cresceu. Mas eu nunca fui programador de nada. Só que, como era um sonho, eu sabia que precisava aprender.
A primeira vez que vi um código Assembly, pensei:
“PQP, que m... é essa aqui?!”
Era complexo, parecia impossível. Mas a vida é isso, né? O desafio faz parte de realizar um sonho.
Eu não sei programar nada além de Odyssey. Mas hoje, é uma satisfação enorme saber que consegui aprender. Fui aos trancos e barrancos — não tem como estimar o tempo que levei pra fazer meu primeiro jogo. Eu fazia uma parte, depois tentava outra... não foi um processo direto.
Foi tudo muito experimental. Como se estivesse na idade da pedra: misturando coisas e vendo o que acontecia — se não explodisse, já estava ótimo! 😄
Apesar de demorado, foi muito recompensador. Ver o jogo rodando, com o personagem que eu mesmo criei, feito do zero, é algo que compensa tudo.
E olha que eu nem gosto de programar! O que eu gosto mesmo é de criar jogos. O mais fascinante é isso: principalmente no Odyssey, que tem poucos recursos, é preciso combinar letras pra formar personagens, criar soluções criativas com o que se tem.
Essa parte de fazer o design, imaginar o roteiro, isso me diverte. O resto é estudo.
Hoje, com a internet, você tem acesso a muito conteúdo. E se esse não for o seu sonho, vá atrás do seu. Porque dá pra aprender. A internet abre um leque de possibilidades incrível.
✅ Pergunta 2:
A Essência do Homebrew: Como é o processo de criar um jogo homebrew do zero para um hardware tão limitado como o Odyssey? Quais são as principais ferramentas e desafios nesse desenvolvimento?
✅ Resposta:
O processo de criar um jogo sempre começa com uma ideia na cabeça. Desde criança eu tenho esse desejo — tanto que tenho uns quatro caderninhos antigos com ideias de jogos desenhadas.
Sabe aqueles cadernos escolares que vinham com o Hino Nacional atrás? Eu usava eles pra fazer rascunhos simples, desenhando telinhas imaginadas, só pra não perder a inspiração do momento.
Por exemplo: o Vida Selvagem nasceu assim. Eu estava desenhando uma tela inspirada no Pitfall, porque muita gente achava que o Odyssey não tinha capacidade de criar fundos visuais. Aí eu comecei a estudar.
Na época, o Soren Gust estava desenvolvendo o jogo QTA. Eu fiz uma tela no Paintbrush, mandei pra ele, e alguns dias depois ele respondeu:
“Incluí sua tela no jogo.”
Aquilo me deu ainda mais gás pra continuar.
Hoje, eu já entendo os limites do Odyssey. Você tem quatro sprites, doze caracteres na tela, e pode combinar esses elementos pra criar novos visuais. Então vou montando o jogo com base nisso.
Você começa com uma ideia nível PlayStation 5 (risos)... e vai cortando.
Pensa assim:
“O personagem vai enfrentar 16 gigantes!”
Aí você reduz pra 3... depois pra 1. E assim vai. O limite é parte do charme.
O mais importante é isso: eu quero fazer um jogo que pareça um jogo de Odyssey.
Mesmo que seja bem simples. Por exemplo, fiz jogos pro projeto Vault, como o Corrida de Cavalo, onde você escolhe seu cavalo e torce — um jogo com jeitão de anos 70.
Desenvolver esse tipo de jogo é muito gostoso.
Dá pra fazer em algumas horas. E como o Odyssey complica conforme o programa cresce, às vezes é mais divertido criar jogos pequenos do que um jogo gigante.
Recentemente terminei um RPG. A ideia era antiga, mas fui desenvolvendo em etapas:
-
Primeiro, criei os monstros.
-
Depois, os labirintos.
-
E fui desenhando tudo antes, pra depois ver o que dava pra encaixar no código.
Esse é o meu jeito: desenho primeiro, programo depois.
E acho que é isso — um jogo começa com uma ideia... e se transforma em algo real aos poucos.
✅ Pergunta 3:
Renascendo Clássicos: Você já criou diversos jogos homebrew que são verdadeiras joias. Existe algum projeto que você considera o mais desafiador ou o mais gratificante de desenvolver e por quê?
✅ Resposta:
Com relação aos projetos que eu fiz, os que eu mais gosto são, sem dúvida, os que nasceram de ideias minhas. Quando a gente sonha em ser designer de jogos, o desejo é criar algo próprio — como um escritor que quer escrever seu próprio livro, não reescrever algo do Machado de Assis.
Desde o começo, meu objetivo sempre foi desenvolver jogos autorais, com ideias que fossem minhas do zero.
Claro que, de vez em quando, surgem exceções. Um exemplo é o Demon Fire, que é uma homenagem (ou quase uma cópia) do Demon Attack.
Na época, eu tinha uma frustração com o Demon Attack porque ele não tinha a fase do boss — algo que existia no Intellivision e que eu achava fantástico. Então, foi como realizar um sonho de criança.
Outro caso parecido foi o Lady Frog, uma versão bem pessoal do Frogger. A ideia surgiu do nada:
“Como seria um Frogger numa tela só?”
Começou como um pensamento… e acabou virando jogo.
Mas, no geral, eu prefiro mesmo criar meus próprios conceitos.
Recentemente, finalizei um novo projeto — um RPG que ainda não foi lançado. Foi um projeto especial, porque uniu duas paixões minhas: videogame e jogos de tabuleiro.
Esse RPG é como uma série estratégica com cartas personalizadas.
Foi um dos projetos que mais deram trabalho, porque, além da programação, eu desenvolvi vários monstros, labirintos feitos à mão, e criei todo o roteiro do jogo, que acabou sendo bem mais complexo do que eu estava acostumado a fazer.
O mais curioso é que esse projeto só saiu graças à inteligência artificial.
Eu precisava de cartas personalizadas, com personagens únicos. Mas, sendo realista, um console que vende dez cópias de jogo não permite que a gente banque isso do próprio bolso.
A solução foi criar as cartas com IA — foram 48 cartas no total, que se tornaram parte essencial do projeto.
Foi um desenvolvimento trabalhoso. Eu tive que escrever o roteiro, depois fazer toda a conferência para ver se tudo estava alinhado. O jogo ainda tem pequenos quebra-cabeças no meio, e isso exige atenção nos mínimos detalhes.
Mas no fim… valeu a pena.
Talvez esse tenha sido o projeto mais gratificante que já fiz.
Ele envolve tudo o que eu gosto: criar jogo, escrever roteiro, inventar personagens, montar diálogos… Foi realmente especial.
Eu gosto muito também dessa parte analógica, sabe?
De misturar o físico e o digital. Talvez nem todo mundo entenda ou curta essa abordagem, mas eu gosto muito.
Claro que, ao fazer algo diferente, a gente corre o risco de ser ridicularizado.
Mas é isso: você acredita, confia, mete a cara e faz.
Fiquei muito feliz com o resultado final.
Um dos aspectos que mais me inspiram até hoje são as “aventuras com monstro” — sempre digo que minhas maiores referências da infância foram filmes como Simba, Fúria de Titãs e as obras de Ray Harryhausen.
Essas eram as aventuras que eu queria viver quando criança.
E hoje, através dos videogames, posso transformar essas ideias em algo real. Isso é o que me motiva.
✅ Pergunta 4:
A Comunidade Homebrew: Como é a interação com outros programadores e entusiastas do homebrew de consoles antigos? Existe uma rede de colaboração e troca de conhecimento?
✅ Resposta:
Com relação à comunidade homebrew...
Interação? Hoje em dia, não tem muita.
Já houve mais troca, mais entusiasmo. Mas a verdade é que a comunidade esfriou. E eu mesmo acabei optando por seguir sozinho. É meu hobby, e faço por mim — sem depender muito de contato com outros.
Claro que, no início, a comunidade foi muito importante pra mim. Conheci gente muito boa, programadores incríveis de quem aprendi bastante — como o Ted, o René Vandeyerden, o Manopak e o Ivan Machado.
Diferente de mim, que precisei aprender tudo do zero, esses caras já vinham com bagagem. E foram generosos em compartilhar conhecimento.
Mas o tempo passou.
Muita gente se afastou, outros perderam o entusiasmo.
O próprio René, que era super ativo, decidiu parar. Pendurou as chuteiras. Outros seguiram outros caminhos.
Já faz uns 15 anos que eu faço jogos, e muita coisa mudou nesse tempo.
A comunidade do Odyssey é muito pequena.
Bem menor do que eu imaginava quando entrei nesse universo pela internet.
Eu esperava encontrar gente pra conversar sobre jogos como Comando Noturno, pra trocar histórias — tipo:
“Quanto tempo você levou pra pousar o avião naquele jogo?”
Mas a realidade é que ninguém jogou esse jogo.
A maioria das pessoas que tiveram Odyssey, na verdade, queriam ter um Atari.
Eu tenho carinho por jogos como Clay Pigeon, Super B e tantos outros...
Mas a verdade é que só se fala em Senhor das Trevas, Come-Come e Didi.
Hoje em dia, a comunidade é pouco participativa.
Você não vê ninguém dizendo:
“Nossa, que memória das tardes de domingo com aquele jogo...”
Isso simplesmente não acontece.
No começo, tive uma ótima parceria com o René.
Meu primeiro jogo oficial foi o Rota 66, que fiz com ele.
A gente trocava e-mails direto. Era uma colaboração empolgante.
Mas com o tempo... ele se interessou por outras coisas, e seguiu outro caminho.
Pra você ter uma ideia, há uns 20 anos, o grupo da CBR (Comunidade Brasileira de Retrocomputação) chegava a 500 mensagens por mês.
Hoje?
Duas mensagens.
A comparação com outras comunidades é gritante.
A comunidade do Atari é fortíssima.
No AtariAge, tem jogo novo todo dia:
gente testando, desenvolvendo, hackeando, colaborando.
É um mundo à parte.
No Odyssey, não.
É tudo mais limitado.
É menor, menos ativo, e o mercado é quase inexistente.
Mesmo o Intellivision ou ColecoVision — que quase não existiram por aqui — têm comunidades muito mais fortes.
No Intellivision, você vê jogo sendo lançado ou anunciado praticamente todo dia.
É meu segundo console favorito, então acompanho de perto.
O Odyssey, por outro lado, só é mais popular que consoles como o Channel F ou o Studio II da RCA.
É muito nichado, com pouca gente produzindo e quase ninguém comprando.
Se você pensar financeiramente, não compensa.
A única justificativa real é:
"É o seu sonho."
Se for o seu sonho... vai em frente.
Pra mim, foi assim.
Tive uma banda, um grupo de escritores, fazia poesia, contos...
Mas mudei de cidade, me afastei dos amigos, e voltei pro Odyssey, que estava ali, adormecido.
É meu hobby, minha válvula de escape.
Só que, se você pensa em criar algo diferente — algo seu mesmo — pouca gente vai dar atenção.
O público do Odyssey quer um jogo de Atari.
Se você traz uma ideia nova, a maioria tá pouco se importando.
Mas eu sigo assim:
Acredito, confio, meto a cara e faço.
É isso.
✅ Pergunta 5:
Senhor das Trevas e a série Retrowaves: Como programador, qual a sua perspectiva sobre a parceria da Dragon Store Brasil com a Experiência Odyssey? Isso inspira novos projetos ou ideias?
✅ Resposta:
Eu acho que tem aquele ditado, né?
Grandes pensadores pensam igual.
Essa ideia de fazer um remake do Senhor das Trevas — e de vários outros — é um sonho pra muita gente.
Quem cresceu com o Odyssey sempre sonhou em ver um novo Senhor das Trevas, um novo Defensores da Liberdade, um novo Come Come…
Mas novo não no sentido de igual, e sim como o que você fez: um trabalho criativo, com alma.
Lembro que a primeira vez que ouvi falar no Philips CD-i, fiquei animado só com a ideia de que talvez a Philips relançasse os jogos do Odyssey.
Eu teria comprado na hora.
Sempre imaginei:
“E se lançassem um novo Didi? Um novo Senhor das Trevas?”
Seria sensacional.
O que você fez com o remake do Senhor das Trevas é legal pra caramba.
Quem é nostálgico e teve uma ligação forte com os consoles antigos sempre sonhou com algo assim.
E quando vê esse sonho realizado, sente que valeu a pena.
Um exemplo parecido foi o Intellivision Amico.
Eu pirei na ideia!
Cheguei a imaginar um dia um “Odyssey Amico” — seria o ápice!
Infelizmente, o Amico não deu certo.
Mas só o conceito já mostra que tem gente querendo reviver e respeitar esses clássicos.
Sobre o seu projeto:
Que venham outros!
É bacana ver alguém fazendo um trabalho honesto, autoral, e respeitoso com as raízes.
Antes mesmo de eu programar pro Odyssey, eu fiz um remake do Defensores da Liberdade, só pra mim, pra estudar algumas ferramentas.
Ver esse tipo de coisa ganhando forma e sendo lançado é muito legal.
E não é só o Senhor das Trevas, né?
Eu vi seus outros projetos — River Raid, Mars Patrol (Moon Patrol)…
São títulos que marcaram nossa geração.
Agora, falando em parceria, eu acho excelente.
O nicho do Odyssey é muito pequeno.
Se a gente começar a se fracionar, não vai sobrar nada.
Temos que apoiar uns aos outros.
Não adianta destruir o trabalho do outro.
Se cada um for puxar pra si, ninguém resiste.
Esse é o verdadeiro sentido de comunidade.
Não faz sentido não se apoiar, sabe?
Eu joguei aqui o Senhor das Trevas, achei bem legal.
E é isso:
Que venham mais!
Estamos aqui esperando.
✅ Pergunta 6:
Sua Mensagem para a Dragon Store Brasil e Fãs:
Para encerrar, Rafael, que mensagem você gostaria de deixar para a Dragon Store Brasil e para todos os fãs que buscam reviver e celebrar a história dos videogames através de novos projetos como os seus?
✅ Resposta:
A minha mensagem é simples — mas é a mais importante:
Siga seus sonhos.
Busque aquilo que você gosta.
A vida é curta.
E é isso que importa: viver o que te faz feliz.
Eu realizei algumas coisas que desejei na vida.
Tive uma banda, gravei músicas, escrevi e participei de coletâneas como escritor...
E tudo isso nasceu da mesma essência:
O desejo de criar, de se expressar.
Você precisa buscar aquilo que ama e viver isso ao máximo.
Porque o tempo passa.
Rápido.
A gente, que é dessa geração...
Logo mais já vai estar com preferência na fila do mercado, né? 😄
Então, tem que aproveitar esse tempo se divertindo e fazendo o que realmente gosta.
E aqui, em primeira mão:
Estou produzindo a terceira aventura do Josué Jorge.
É muito legal ver uma ideia tomando forma.
Ver aquilo que antes era só um pensamento virar realidade.
Pra quem está lendo isso:
Apoie os projetos.
Por mais que a gente tenha paixão, por mais que eu vá continuar produzindo,
pra que tudo isso se torne algo físico, palpável, real,
a gente precisa do apoio da comunidade.
Felizmente, temos recebido esse apoio.
E é ele que mantém os projetos vivos.
Então é isso:
Força pra você. Força pra todos nós.
Um grande abraço!
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